quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Martha Medeiros


Já fui de esconder o que sentia, e sofri com isso. Hoje não escondo nada do que sinto e penso, e às vezes também sofro com isso, mas ao menos não compactuo mais com um tipo de silêncio nocivo: o silêncio que tortura o outro, que confunde, o silêncio a fim de manter o poder num relacionamento. [...]
Como é fácil libertar alguém de seus fantasmas e, libertando-o, abrir uma possibilidade de tê-lo de volta, mais inteiro. Falar o que se sente é considerado uma fraqueza. Ao sermos absolutamente sinceros, a vulnerabilidade se instala. Perde-se o mistério que nos veste tão bem, ficamos nus. E não é esse tipo de nudez que nos atrai. Se a verdade pode parecer perturbadora para quem fala, é extremamente libertadora para quem ouve. É como se uma mão gigantesca varresse num segundo todas as nossas dúvidas. Finalmente, se sabe. Mas sabe-se o quê? O que todos nós, no fundo, queremos saber: se somos amados. Tão banal, não? E no entanto essa banalidade é fomentadora das maiores carências, de traumas que nos aleijam, nos paralisam e nos afastam das pessoas que nos são mais caras. Porque a dificuldade de dizer para alguém o quanto ela é - ou foi - importante? Dizer não como recurso de sedução, mas como um ato de generosidade, dizer sem esperar nada em troca. Dizer, simplesmente. A maioria das relações - entre amantes, entre pais e filhos, e mesmo entre amigos - se ampara em mentiras parciais e verdades pela metade. Pode-se passar anos ao lado de alguém falando coisas inteligentes, citando poemas, esbanjando presença de espírito, sem ter a delicadeza de fazer a aguardada declaração que daria ao outro uma certeza e, com a certeza, a liberdade. [...] Somos sádicos e avaros ao economizar nossos "eu te perdôo", "eu te compreendo", "eu te aceito como és" e o nosso mais profundo "eu te amo" - não o "eu te amo" dito às pressas no final de uma ligação telefônica, por força do hábito, e sim o "eu te amo" que significa: "Seja feliz da maneira que você escolher, meu sentimento permanecerá o mesmo". Libertar uma pessoa pode levar menos de um minuto. Mais que as mentiras, o silêncio é que é a verdadeira arma letal das relações humanas.

Martha Medeiros, do livro "Doidas e Santas"

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